terça-feira, 18 de agosto de 2009

Sinédoque, Nova York

O modo com que encaramos a morte dita a forma com a qual levamos a vida. Como um roteirista consegue imprimir esta temática em película? De uma maneira convencional, mostrando um personagem superando dificuldades? Provavelmente. Aqui, porém, falamos de Charlie Kaufman, roteirista "oscarizado" pelo excelente "Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças" e dos não menos ótimos "Quero ser John Malkovich", "Confissões de Uma Mente Perigosa" e "Adaptação".
Em "Sinédoque, Nova York", nada é convencional, começando pelo próprio título. A revelação de um personagem principal paranóico e com medo da morte (o diretor de teatro Caden Cotard, interpretado por Philip Seymor Hoffman) se dá logo na primeira sequência, quando se preocupa com o cocô verde.
A partir daí, somos levados por uma espiral descendente de Caden, cada vez com mais medo da morte, buscando doenças que não existem, distanciando-se cada vez mais da vida. Com a finalidade de mostrar tal distanciamento, Kaufman opta pela linha temporal comprimida do personagem principal para conduzir o espectador por um espaço/tempo fragmentado. Caden simplesmente não vê os anos passando, sua filha cresce, sua mulher não volta de uma viagem e para ele este período não passou de alguns meses. Quando ganha uma bolsa para montar uma peça de teatro em Nova York, a espiral do megalomaníaco Caden se intensifica. Ao mesmo tempo em que tenta registrar na peça sua vida com a máxima precisão possível, esquece de vivê-la.

Os elementos non-sense que Kaufman costuma colocar em seus roteiros também estão presentes em "Sinédoque": começando pelo tal "green poop" até a apresentação de uma casa em chamas (que lembra o andar 7 e meio de "Quero Ser John Malkovich"). O mais interessante de tais elementos não são os elementos em si, mas como Kaufman os apresenta como normais. Apesar dos personagens perceberem que a casa está em chamas, para eles aquilo não é absurdo.

Ao contrário do que é feito pela maioria dos diretores/roteiristas com intenções mais artísticas, que colocam elementos sem sentido em suas narrativas apenas para quebrar padrões, Kaufman os utiliza com algum propósito. A casa serve para apresentar a personagem que é contraponto de Caden, Hazel, interpretada por Samantha Morton. Ao entrar na casa com o intuito de comprá-la, Hazel se sente totalmente confortável, mesmo com as chamas e com o inquilino vivendo ali.

Kaufman se aventura pela primeira vez na direção de seus roteiros, que anteriormente foram dirigidos por nomes como George Clooney (Confissões de Uma Mente Perigosa), Spike Jonze (Adaptação) e Michel Goundry (Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças). Enquanto mostra conforto quebrando padrões em seus roteiros, Kaufman é bem mais contido na direção. Com enquadramentos comuns, há algumas cenas que incomodam principalmente pelo fato do que elas poderiam ter sido se dirigidas, por exemplo, por Michel Goundry. Uma em especial é aquela em que o padre proclama um texto em um enterro sobre o tema de cada um ser protagonista de sua própria vida. O texto excelente de Kaufman se perde na direção do próprio autor e, no final, o que vemos é uma cena que beira o piegas.

Com um time de atores que ainda inclui a subestimada Hope Davis, que rende as cenas mais engraçadas (leia-se humor negro), Michelle Williams e Dianne Wiest, Kayfman consegue extrair ótimas interpretações e momentos.

Com um final mais intimista que apoteótico, Kaufman nos oferece em uma trama enrolada em si mesma uma mensagem simples: a vida é apenas aproveitada quando não pensamos no final dela.